domingo, 6 de maio de 2012
LINDOSO
O grande traço definidor da região do Vale do Lima é o rio Lima. Nascido na Galiza, na serra de São Mamede, vai percorrer mais de uma centena de quilómetros em território espanhol até entrar em Portugal junto ao castelo do Lindoso. Logo aí vai ser represado pela barragem do Alto Lindoso, formando uma vasta albufeira que se estende por terras galegas e lusitanas.
Neste troço inicial, o Lima corre apertado entre duas serras, a do Soajo na margem direita e a Amarela na margem esquerda. Tanto do lado do Soajo como no do Lindoso, a ocupação humana é semelhante: aldeias com os seus espigueiros em granito, possuindo, muitas vezes no alto das serras, «extensões» unicamente utilizadas de Verão, as brandas, para onde é levado o gado. Exemplo disto é a aldeia de Ermida com a Branda de Vilhares, descrita no percurso de Ponte da Barca.
A 17 km a jusante do Alto Lindoso, perto de Entre-ambos- os-Rios (o rio de Froufe e o de Tamente, que aqui confluem com o Lima), foi construída em 1993 nova barragem, de Touvedo. Daqui em diante, e em particular para jusante de Ponte da Barca, o vale vai começar a alargar-se, tornando-se mais verde e povoado.
Esta mancha verde, que se alarga à medida que nos aproximamos da foz, corresponde a campos de milho, prados e vinhas, sejam as tradicionais de enforcado, sejam as mais modernas, adaptadas já à utilização dos tractores, mas sempre do afamado vinho verde. As principais elevações do troço final do Lima situam-se na margem direita. É o caso da serra d’Arga, rematada pelo santuário e miradouro da Senhora do Minho, e da serra de Santa Luzia, sobranceira a Viana do Castelo. Na margem direita, o grande miradouro sobre o rio é o Monte da Madalena, nos arredores de Ponte de Lima.
Cooperativas, centros de artesanato e produtores independentes procuram perpetuar objectos e maneiras de fazer ligadas às antigas artes e ofícios. É o caso das diversas fases do ciclo do linho ou do trabalho do granito, para além da filigrana e do trabalho do ouro.
Mas se há actividade que nestes últimos 20 anos marcou fortemente o Vale do Lima foi a adaptação de antigas quintas e solares às diversas modalidades de Turismo no Espaço Rural. Pioneiro deste movimento foi Francisco Calheiros que, desde o início, compreendeu as potencialidades deste programa, já que a exploração integrada da vertente turística (turismo no espaço rural, rotas de vinhos, recuperação de aldeias históricas, dinamização do artesanato e das produções tradicionais de qualidade, etc.) pode ser um dos pilares do fortalecimento da economia local, tanto mais que a agricultura tradicional atravessa a crise que se conhece e que a região não possui características que a tornem atractiva para a indústria em larga escala.
De resto, bastaria olhar para a quantidade de casas aqui em funcionamento para perceber que foi a partir daqui que o Turismo no Espaço Rural irradiou.
De que forma são recuperadas casas antigas para as adaptar a esta modalidade de alojamento? Que problemas se levantam do ponto de vista da arquitectura e da recuperação do património? Seguem-se algumas reflexões de José Manuel Fernandes, arquitecto e colaborador dos Guias do EXPRESSO.
A forma como esta adaptação é feita acaba por traduzir a a atitude dos proprietários face aos «outros», ou seja, aos visitantes- pernoitantes, procurando conjugar o melhor acolhimento possível com a salvaguarda da intimidade da vida familiar, afinal um dos valores mais fortemente associados à ideia de «domus» na nossa cultura.
No campo da relação com o visitante surgem diferentes soluções. Exemplos há em que se assume com clareza uma separação entre os dois espaços. É o caso de inúmeros solares onde a expressão arquitectónica do edifício mais vetusto é associada a uma área de vida quotidiana da família residente, à qual o visitante pode naturalmente aceder (faz parte das regras do sistema), ficando em quartos inseridos na espacialidade pré-existente do solar, como um parente que há muito não vinha visitar aquele ramo da família.
Noutros casos, embora mantendo esta possibilidade de integração, as soluções adoptadas favorecem a permanência dos visitantes no chamado «anexo», por via de regra um corpo novo, construído de raiz na continuidade do volume antigo mas dele fisicamente demarcado. É uma perspectiva diferente de acolhimento, mais virada para a salvaguarda da intimidade alheia. Mas algumas vezes é o próprio visitante que assim prefere.
Nenhuma é melhor ou pior que a outra. São duas hipóteses diferentes de estabelecimento de convivialidades que, por existirem, dão o direito da escolha.
É interessante ver, dentro destas diferentes perspectivas, como é que a arquitectura ajuda a resolver os espaços.
Casos há, notáveis pela qualidade da relação humana que os anfitriões propõem, em que a vida da família se expõe no quotidiano. Quase não há transformação arquitectónica, a não ser nas infra-estruturas mínimas: aquecimento, sanitários, etc. É a arquitectura antiga com os seus salões, o mobiliário, a lareira, o pátio que constitui a base de convívio, alimentada pelas histórias de família que se contam à volta da mesa ou do lume.
Outras situações opostas assentam numa reformulação profunda. Assume-se que a vida familiar muda, que se passa de uma casa ou um solar para um misto de habitação e equipamento turístico. As melhores intervenções nesta linha são as que reconstroem pavimentos, tectos e restantes materiais, mas na base de um olhar culto, de um projecto de arquitectura que sabe ir aproveitando os elementos com valor como património, reinserindo-os no novo ambiente, às vezes com uma dimensão cirúrgica.
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